O Brasil tem cerca de 2 milhões de pessoas com autismo, 80% delas estão desempregadas. Victor Paixão, de 33 anos, não consta nesse percentual porque conheceu o emprego apoiado.
“Antes, acabava sendo desligado das empresas. Mesmo dando o meu melhor, chegava uma hora em que diziam que o meu perfil não correspondia ao trabalho. Daí, foram muitos meses fora do mercado até encontrar outra oportunidade. E, mais uma vez, durava pouco”, lembra.
O emprego apoiado interrompeu esse looping porque inverte a lógica: em vez de qualificar para incluir, inclui primeiro e depois qualifica. A metodologia surgiu nos EUA na década de 1980 com foco nas pessoas com deficiência que precisam de mais apoio ou que enfrentam barreiras muito grandes para se inserir no mercado de trabalho. É uma metodologia individualizada, centrada na pessoa e com foco nos seus interesses e em seus pontos fortes.
“No emprego apoiado, em vez de a pessoa com deficiência ter de se adaptar ao trabalho, é a companhia que deve oferecer ao colaborador os apoios necessários para que ele consiga desempenhar suas funções e se desenvolver”, explica Alexandre Gatti, consultor da Associação Nacional do Emprego Apoiado (Anea).
Pessoas com deficiência intelectual ou deficiência múltipla, autismo, paralisia cerebral e transtorno mental são os grupos mais atendidos pela metodologia. “A gente tem um valor de presunção de empregabilidade, isto é, todo mundo tem o direito de buscar uma solução inclusiva para poder trabalhar. A pergunta tem de ser: ‘quais as condições temos de proporcionar para que isso realmente aconteça?'”, questiona Gatti.
No Brasil, o emprego apoiado está previsto na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei número 13.146 de 2015). No artigo 37, o texto prevê, entre outros pontos:
- prioridade no atendimento à pessoa com deficiência com maior dificuldade de inserção no campo de trabalho;
- respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiência apoiada;
- oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclusive atitudinais.
A Anea reúne profissionais e organizações comprometidos com a inclusão das pessoas com deficiência. A entidade promove eventos, cursos e palestras e apoia iniciativas de fomento ao emprego apoiado. No site, dá para conferir as organizações parceiras e tem material de apoio tanto para pessoas autistas e seus familiares como direcionados a empresas interessadas em promover a inclusão.
Etapas do Emprego Apoiado
Na metodologia de emprego apoiado, a inclusão acontece em três etapas, com a premissa de que cada processo é único, centrado na pessoa e com foco nos interesses e habilidades daquele profissional.
Perfil Vocacional: É a fase de descoberta dos interesses, habilidades e necessidades de apoio da pessoa com deficiência. Esse perfil é construído a partir de entrevistas com o usuário, seus familiares e outras pessoas que o conheçam. Ao valorizar a descoberta dos pontos fortes, o emprego apoiado propõe uma mudança radical nas práticas ainda predominantes, principalmente com relação às pessoas com Deficiência Intelectual, de avaliar e focar em apenas suas limitações.
Desenvolvimento de Emprego: O consultor de emprego apoiado busca um emprego que combine com o perfil vocacional. Esse processo pode resultar na criação de uma vaga customizada ou de uma vaga já existente que atenda as necessidades do usuário e da empresa. Quando ocorre a contratação, é feita uma análise pormenorizada das tarefas para a elaboração de um plano individual de treinamento e inclusão social.
Acompanhamento Pós-colocação: acompanha-se o treinamento e a inclusão social para verificar se as estratégias e os apoios estão funcionando. Se isso acontece, tem início o acompanhamento contínuo – feito à distância e com objetivo de garantir a qualidade da inclusão, intervir em situações mais desafiadoras e auxiliar no desenvolvimento de carreira dos clientes.
Quando as três etapas são respeitadas, o processo é vantajoso para ambas as partes. Afinal, como alerta Gatti: “Não é questão de responsabilidade social ou assistencialismo. O emprego apoiado traz benefícios para os dois lados”.
Para as empresas, explica o consultor, o emprego apoiado é um convite para repensar a estrutura de inclusão que está posta. “Se você quer fazer a inclusão, precisa pensar nas pessoas que ficaram para trás. São milhões de pessoas que precisam de apoio e estão fora por conta da estrutura.”
Como incluir uma pessoa com autismo
Apesar de pessoas com autismo terem desde 2012 os benefícios legais listados pela Lei de Cotas, as organizações ainda não introduziram a cultura de contratar autistas.
É importante ter em mente que pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) não são impossibilitadas de trabalhar. Precisam apenas de suporte humano para lidarem com dificuldades de comunicação e, por vezes, de pequenas adaptações físicas nos ambientes.
No caso da comunicação, ter uma pessoa autista na equipe significa compreender que as orientações precisam ser claras e objetivas. Em vez de chamar o profissional à sala ou fazer uma ligação de áudio explicando um projeto ou uma tarefa a ser executada, é importante passar as orientações por email, com as características da solicitação claras e objetivas.
Atividades não estruturadas também são mais difíceis para quem tem autismo. Por isso, os cenários precisam ser bem definidos. Nada de pedir para começar um trabalho antes de terminar o outro ou avisar de véspera sobre uma nova atribuição.
Por fim, como uma das características do TEA é a dificuldade de entender sinais não verbais, os feedbacks devem ser constantes, objetivos e deixar explícitos os pontos altos, o que está bem resolvido e o que precisa ser melhorado.
Esse tipo de adaptação foi o suficiente para que Victor fosse incluído de verdade no trabalho. “O ambiente ficou mais confortável. Estão dadas as minhas necessidades e a empresa se adaptou às minhas características. Não preciso ficar com aquele receio permanente sobre estar fazendo da forma correta.”
Os resultados de Victor indicam que ele tem atuado com bastante competência. Recentemente, apresentou em inglês, numa reunião com estrangeiros, os resultados de um projeto em que está envolvido.
Foi ótimo. Mas é preciso que isso seja visto de forma natural, ressalta. Pessoas com autismo estão acostumadas ou a serem subestimadas e não conseguirem trabalhar ou, quando estão no mercado, a serem cobradas por uma entrega acima da média. Afinal, grandes gênios eram autistas.
“A gente tem uma capacidade de concentração boa e um ritmo acelerado de aprendizado. Mas não somos todos geninhos. A maior parte de nós precisa de uma pequena adaptação para exercer seu trabalho de forma competente.”
Adaptações físicas para contratação de autistas
Assim como o TEA é amplo, também é grande a diversidade de características e necessidades de suporte. De forma geral, no entanto, as adaptações físicas para a inclusão de um profissional autista são bem pontuais:
- Espaço mais ruidoso costuma causar desconforto. É importante disponibilizar um bom fone de ouvido ao profissional
- A luminosidade alta também incomoda. Por isso, é indicado alocar o profissional em um espaço com luz natural, em vez de artificial, e deixá-lo à vontade para usar óculos de sol.
- Pode ser importante conceder pausas periódicas para evitar o estresse resultante de passar muito tempo em frente ao computador.