A partir deste mês, os beneficiários de planos individuais, coletivos por adesão ou empresariais com até 29 usuários começaram a receber boletos com aumento de até 35% no valor das suas mensalidades. O alto percentual é explicado pela cobrança de reajustes anuais e de faixa etária referentes a 2020 — que foram suspensos em agosto em função da pandemia de Covid-19 — somados ao reajuste previsto para 2021.
Porém, mesmo quando desconsideradas as cobranças retroativas, o reajuste dos planos supera a inflação e pesa no bolso do consumidor. Segundo a Anab (Associação Nacional das Administradoras de Benefícios), o percentual médio cobrado pelas operadoras em 2020 foi de 15,3%. O valor é três vezes superior ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial do Brasil, que terminou o ano em 4,52%.
Os percentuais elevados — que são considerados abusivos por beneficiários e motivaram o Procon de São Paulo a entrar com uma Ação Civil Pública contra as operadoras — vêm se repetindo ao longo dos últimos anos e motivam o surgimento de alternativas digitais que prometem soluções de saúde e planos mais acessíveis à população.
Chamadas de health techs, as startups do setor de saúde se inspiram em modelos já consolidados em países como Inglaterra, Canadá, Austrália e Espanha para oferecer soluções que aliam ferramentas tecnológicas e modelos diferentes de remuneração para hospitais, laboratórios e médicos, com o objetivo de aumentar a eficiência nos atendimentos e reduzir custos.
Já ouviu falar em gatekeeper? Conceito impulsiona eficiência no setor
Fundador e presidente da Sami, uma health tech brasileira que oferece planos empresariais com foco em empreendedores e empresas de pequeno porte, Victor Asseituno brinca que a companhia é o “Nubank dos planos de saúde”.
“Fazendo uma referência ao que vemos no serviço caro, ruim e muito dependente de mundo físico dos bancos tradicionais, nós entendemos que, baseado no conceito do médico de família, da atenção primária, análise de dados e telemedicina, poderíamos usar a tecnologia para criar um modelo novo de saúde”, conta Asseituno, que é médico de formação.
A Sa
mi aposta no conceito de gatekeeper — ou porteiro, em tradução literal —, no qual um time de médicos da família funciona como entrada e guia para os beneficiários.
“O time de cuidado ajuda as pessoas a navegarem dentro do sistema de saúde pela porta correta e mais eficiente. Dessa forma, evitamos idas desnecessárias a um pronto-socorro, por exemplo, o que aumenta a eficiência e diminui os custos do planos”, explica Ricardo Ramires Filho, diretor de regulação e mercado da startup.
A estratégia do médico da família também é adotada pela Qsaúde, uma operadora de planos individuais lançada em outubro de 2020. “Esse profissional tem controle do histórico de saúde do cliente e o acompanha em toda sua trajetória de cuidado”, destaca o vice-presidente executivo, Anderson Nascimento.
Nascimento concorda que o cuidado primário evita desperdícios no sistema de saúde e garante atendimento seguro e de qualidade para os clientes. “Além de protegê-los de sofrerem com o agravamento de condições por falta de atendimento linear de um médico que realmente conhece o paciente de forma integral e cotidiana”, cita ele.
Para Ana Maria Malik, professora na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e doutora em medicina preventiva pela USP (Universidade de São Paulo), o sucesso dessa estratégia depende da conduta que será estimulada pelos planos de saúde e adotada pelos profissionais.
“Se o médico de família estiver lá só para reduzir acesso à especialidade e ao exame, isso pode baratear os custos para a operadora, mas será bem ruim para a população. Se o modelo servir, porém, para de fato acompanhar o paciente e tomar conta da saúde dele, dando acesso ao que é necessário, aí pode ser um bem”, afirma Ana Maria, que também é coordenadora do GVsaúde, o centro de estudos em planejamento e saúde da FGV.
Tecnologia para redução de custos
A telemedicina, uma ferramenta que experimentou adoção acelerada no último ano, é outra aposta das health techs para reduzir custos e aumentar a eficiência das consultas.
Apesar de ter sido popularizada no Brasil no último ano, graças à pandemia de Covid-19, Ana Maria cita que a ferramenta já é um modelo adotado em outros países com certas restrições, como a que visa garantir que a primeira consulta de um cidadão por um profissional seja feita de maneira presencial.
“Se bem usado, o teleatendimento pode ser bom para os profissionais e para os cidadãos. A inteligência artificial é aparentemente uma bela tendência, mas a gente não tem muita certeza quanto a como ela será aplicada”, aponta a professora.
Além das operadoras digitais, outras plataformas ligadas à saúde também aderiram aos atendimentos à distância para trazer mais acessibilidade aos atendimentos. O portal Zenklub, que oferece conexão com profissionais da saúde mental, é um exemplo.
Terapia online
A estudante de geografia Rafaela Santana dos Santos nunca tinha feito terapia até começar a estagiar em uma empresa que oferecia sessões no Zenklub como um benefício aos colaboradores.
Por funcionar de maneira online, via skype, a plataforma permite que a distância entre Rafaela, que vive na capital paulista, e sua psicóloga, de Araraquara, no interior do estado, seja vencida com facilidade. “Poder agendar um horário de sua preferência sem precisar sair de casa e escolher um psicólogo de qualquer lugar do Brasil é muito bom”, complementa ela.
“Eu comecei a fazer terapia de maneira bem tímida e, se fosse presencial, acredito que seria mais difícil para me soltar em pouco tempo”, conta Rafaela, que tem direito a quatro sessões gratuitas por mês. “Em um momento caótico como esses, fazer terapia online é uma alternativa muito boa pra não descuidar da saúde mental”, finaliza.
Health techs também são alternativas para investimentos
A startups de saúde não chamam atenção apenas de usuários em busca de convênios mais baratos, mas também são alternativas para quem procura incluir empresas promissoras em seu portfólio de investimentos.
De acordo com dados da Crunchbase, existem atualmente 38 unicórnios do setor de health tech no mundo. O animal mitológico é utilizado para nomear startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.
Apesar de nenhuma brasileira integrar a lista, cerca de 42% das empresas mais promissoras do segmento na América Latina pertencem ao país, ainda de acordo com a plataforma de informações.
A Sami pode vir a ser uma dessas apostas no futuro. Fundada em 2018, a startup recebeu R$ 90 milhões entre aportes de investidores-anjo e fundos, alguns deles responsáveis por sete dos 13 unicórnios brasileiros.
Apenas no ano passado, a empresa obteve R$ 86 milhões de investimentos em uma rodada liderada pelos fundos Valor Capital Group e Monashees, com a participação de Canary e Redpoint eventures.
Reprodução da matéria publicada por Larissa Vitória na SpaceMoney no dia 21/01/2021.