Não quero ser o Dr. Diclofenaco. Vamos tratar o que é crucial para sua saúde?

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Se você está lendo isso na pandemia, este não é mais um texto sobre Covid-19. 

Não é sobre uma doença específica, mas sobre condições decisivas para a sua saúde, que afetam você desde o dia em que nasceu. E você nem se dá conta. Aposta?

Quanto à Covid-19, é bem provável que você já saiba como é transmitida, quais os principais sintomas e suas formas de prevenção. Também é provável que você reconheça que estamos numa situação social, econômica e política, no mínimo, lamentável. 

Talvez você até conheça alguém que precisou fechar seu negócio e tenha voltado a fumar; ou que ganhou alguns quilos; ou que tenha tido crises de choro, tristeza, palpitação, mesmo com todos os exames normais (o vídeo “Doente de Brasil”, do Porta dos Fundos, chama essa doença de “Brasil 2021”).

Pois é. O nosso contexto de vida influencia a nossa saúde. Muitas vezes até mais do que genética ou limitação clínica. Esse texto é sobre isso, sobre o que chamamos de Determinantes Sociais da Saúde (DSS)

Talvez você conheça alguém que precisou fechar seu negócio e tenha voltado a fumar; ou que ganhou alguns quilos; ou que tenha tido crises de palpitação, mesmo com exames normais. Neste vídeo, o Porta dos Fundos chama essa doença de “Brasil 2020”.

No paredão: BBB x Determinantes Sociais da Saúde

E o que são os Determinantes Socias da Saúde?

Eu interrompi um papo fervoroso sobre BBB no grupo de Whatsapp para escrever esse texto. 

Perguntei aos amigos que não trabalham com saúde o que eles entendiam que eram os tais Determinantes Sociais da Saúde. A reação variou de um singelo desinteresse, polido e acolhedor, como quando corrigimos uma criança com um sorriso, a uma manifestação raivosa, intimidadora até, por ter interrompido o papo do BBB.

Determinantes Sociais da Saúde

Em um resumo bem simples: você é mais do que a soma dos seus órgãos, é uma pessoa por inteiro, inserida num contexto familiar, social e ambiental.

Seu relacionamento com tudo o que cerca você afeta a sua saúde. Suas relações com família, trabalho, região em que mora, comida, hábitos do dia a dia e até com a conjuntura nacional (como uma pandemia) afetam, determinam a sua saúde.

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Exemplos práticos de DSS

Embora você possa reagir de forma semelhante aos meus amigos do Whatsapp, peço por favor que se compadeça deste pobre médico. Porque tenho atendido diariamente pessoas totalmente afetadas por DSS. 

Veja o meu dia:

  • Paciente X
    Tem alguma vitamina, Dr. Alexandre? Sinto que estou sem energia.
    Pede o paciente, após alguns meses trabalhando 14 horas por dia.
  • Paciente P
    Tem aquele remedinho para dormir, Dr. Alexandre?
    Após sofrer uma demissão no trabalho e ter um filho pequeno em casa
  • Paciente T
    Dr. Alexandre, tenho ficado um pouco distraída e a produtividade caiu.
    Após 5 anos sob a liderança de um chefe tóxico.
  • Paciente O
    Olá, Dr., não lembro seu nome, consegue renovar meu remédio de ansiedade?
    Em teleconsulta, enquanto dirigia. Por segurança, pedi que remarcasse a consulta.

Dizem que, para todo problema complexo, tem sempre uma resposta clara, objetiva, simples… e errada! No meu caso, frequentemente é um pedido de exame ou remédio…

Não me entenda mal, exame e remédio têm seus papéis e são fundamentais para algumas condições de saúde. Mas muitas vezes é nítido: o problema não é um simples colesterol alterado ou uma vitamina, e sim todo o contexto de vida e de trabalho opressor que nos adoece

Acredite, todos adoecem por isso. Atendo algumas empresas, do chão de fábrica à alta liderança, e o adoecimento é absolutamente sistêmico!

Dr. Diclofenaco, o médico que só passa remédio

Tem um documentário muito bom chamado “Carne e Osso” que ilustra o quanto o trabalho pode ser adoecedor.

Ele mostra a situação de trabalho nos frigoríficos brasileiros. É triste ver como as lesões musculoesqueléticas se desenvolviam, repetiam e pioravam a ponto de se tornarem incapacitantes. 

Eis que os trabalhadores do filme chamavam o médico do trabalho de Dr. Diclofenaco, pois sempre prescrevia o mesmo antiinflamatório (diclofenaco), sem nunca atuar na causa principal: as condições de trabalho. 

Confesso que morro de medo que me chamem assim um dia.

O documentário Carne e Osso mostra como o trabalho pode ser adoecedor. Veio desse filme o título do post: Dr. Diclofenaco.

Ciência dos Determinantes Sociais da Saúde

Os Determinantes Sociais de Saúde não foram descobertos nesta pandemia, ela apenas os escancarou. 

Foi nos anos 1960-70 que algo inexplicado veio à tona na Inglaterra. Alguns pesquisadores estudavam a mortalidade por doenças cardiovasculares, como infarto e derrame cerebral, das pessoas que trabalhavam no Whitehall, o parlamento britânico. 

Chegaram a registrar marcadores tradicionais de doença, como hipertensão arterial, diabetes, colesterol e tabagismo. Mas pasme: esses marcadores só explicavam cerca de um terço (33%) da diferença nos problemas de saúde entre ricos e pobres.. Os dois terços (67%) restantes foram atribuídos ao que chamaram de “inexplicável” – posteriormente conhecido como”Gradiente Social”.

Nos anos 80 foi realizado um segundo estudo (“Whitehall II”), dessa vez com mais pessoas, cerca de 10 mil. Foram coletados mais dados de questionários e de exames, e ficou clara a relação inversa entre classe social e doenças cardiovasculares. 

Outros estudos foram feitos, e modelos teóricos sobre os DSS começaram a ser desenvolvidos, sendo o mais famoso o Modelo de Dahlgren e Whitehead.

Cebola DSS

Tente pronunciar aí: “Modelo de Dahlgren e Whitehead”. Intimida, né? Por isso, prefiro chamá-lo de “Cebola  DSS”. Simplesmente porque é constituído de diferentes camadas. 

A camada interna se relaciona à pessoa: idade, sexo e genética. A segunda camada é a do estilo de vida, que fica exatamente entre a pessoa e suas redes comunitárias – afinal, hábitos como exercitar-se, não fumar e se alimentar bem não são determinados apenas pela pessoa, mas também por propaganda, pressão social e condições socioeconômicas. 
Já na quarta camada da Cebola estão as condições de vida e de trabalho: alimentação, serviços de saúde, educação, ambiente de trabalho, entre outros. Por fim, na quinta e última camada do modelo ficam os macrodeterminantes: condições socioeconômicas, culturais e ambientais.

Os Determinantes Sociais da Saúde em 5 camadas: do indivíduo até as condições socioeconômicas, culturais e ambientais.

Um modelo como esse existe para que se possa desenhar estratégias para melhorar a saúde das pessoas. 

Exemplo clássico é o Programa Bolsa Família, com inúmeras evidências científicas de redução de mortalidade infantil, ou mesmo a Estratégia Saúde da Família, modelo de Atenção Primária à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), onde tive a honra de ser formado e poder atuar tanto clinicamente em indivíduos, como em populações. 

Uma experiência incrível de mudança social

Durante minha residência em Medicina de Família e Comunidade, lembro de atender inúmeras crianças e adolescentes com graves questões de saúde mental, como depressão, automutilação e tentativas de suicídio. 

Ao lado do posto de saúde onde eu atuava, ficava uma escola pública, onde boa parte deles estudava. Após algumas reuniões com professores, diretores e alunos, surgiu a Organização de Apoio à Saúde Mental (OASM), liderada pelos próprios alunos, com apoio da equipe de saúde e dos professores. 

Foi uma experiência absolutamente incrível de mudança social co-desenhada pelas pessoas, com profissionais de saúde como apoiadores e não protagonistas! Lembro que professores vinham falar comigo ao fim das reuniões, ora agradecendo pela iniciativa (que na verdade tinha sido dos alunos), ora pedindo apoio para a própria saúde mental. Sim, muitos estavam em sofrimento, e alguns de altíssima gravidade!

O desafio proposto pela Sami

Minhas experiências inesquecíveis no SUS me deixavam receoso de ir para a iniciativa privada. Como eu poderia atuar tanto clinicamente, quanto em mudanças de contexto a nível populacional? Sempre soube que o entendimento clássico dos planos de saúde sobre o papel do médico sempre foi o de atender o maior número possível de pessoas. E tchau, e benção. Eis então que um cometa Harley, essas coisas que aparecem uma vez na vida, vai me buscar ao fim da residência médica e me diz que posso contribuir para montar uma Atenção Primária à Saúde do zero, do jeito que deveria ser, incluindo discussões que envolvem nossa atuação nos DSS. Que vamos garantir maior acesso e manter qualidade no atendimento. E que a tecnologia pode ajudar muito nisso. Foi o convite que o Vitor Asseituno, presidente da Sami, me fez. Tenho um fraco por esse tipo de sonho e topei. Hoje atendo pessoas de altos cargos de liderança e pessoas com algum grau de vulnerabilidade social, sobretudo durante esta pandemia.

Botão com a frase: "Chega de ouvir não sem motivo do seu plano de saúde. Conheça o Sami Sol. O plano que te acompanha e te escuta.

Determinantes “digitais” da Saúde

Óbvio, nem tudo são flores. Sabemos que ainda precisamos melhorar muito (quem não precisa?). Temos tecnologia e aplicativos. Mas o que fazer com quem não sabe ler ou tem muitas dificuldades com uso de celulares? Discute-se hoje o acesso ao mundo digital como um novo determinante social de saúde!

Queremos que as empresas nos contratem, mas o que fazer quando a cultura dessas mesmas empresas contribui para o adoecimento sistêmico? Como atuar no que o autor Jeffrey Pffefer chama de “Poluição social”? Se empresas são multadas e regulamentadas quando poluem o ambiente, o que fazer quando sua cultura adoece sistematicamente seus colaboradores? 

Certamente, não temos ainda todas as respostas. Ainda assim, é incrível poder fazer essas perguntas. É ainda mais incrível sentir-se responsável pela imaginação de tentar respondê-las para ontem!  Afinal, essas respostas têm que vir de algum lugar e, se não existem, vamos desenhá-las em conjunto.

Questão de princípios

Atuar em DSS é algo que muitas vezes vai além da Saúde. Mas existem princípios norteadores:

  1. Reforçar o estímulo à solidariedade em detrimento do individualismo.
  2. Buscar reduzir iniquidades sociais.
  3. Combater a discriminação social.
  4. Promover coesão social e fortalecimento de redes comunitárias de apoio.
  5. Pensar em saúde para além dos muros dos serviços de saúde.

Tem muito mais a se fazer, certamente, e gente muito mais competente do que eu para tecer recomendações. Ainda assim, quer você queira ou não, os DSS interferem na saúde de todos. Chega de Dr. Diclofenaco.

Caso queira de fato entender o DSS para além deste texto, recomendo fortemente o filme “Eu, Daniel Blake”. Vale muito a pena!

Alexandre Ceotto Calandrini (CRM 191481) é paraense com orgulho. Coordenador e médico do primeiro Time de Saúde da Sami, ele quer que esse Time voe! Formado pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, fez residência em Medicina de Família e Comunidade por São Bernardo do Campo. Especialista em Melhoria da Qualidade pelo Institute for Healthcate Improvement (IHI), em curso, e com experiência de pesquisa pelo Institute of Development Studies (IDS), Harvard e Cebrap.

Sami Plano de Saúde Empresarial

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